A peça “Banho de Sol” está em cartaz no CCBB BH, na Praça da Liberdade, e já é sucesso de público e crítica. “Ao longo de um ano, às terças-feiras, havia uma pausa para a liberdade. Um momento especial que estimulava mulheres em condição de cárcere a lembrarem quem são: pessoas corajosas, talentosas, carinhosas, que erram e acertam. Sim, elas são bem mais que seus delitos.” O espetáculo da Zula Cia. de Teatro, em cartaz até o dia 22 de abril, de sexta à segunda-feira, às 19 horas.
No próximo sábado (20) e na segunda-feira (22), haverá debates, após a peça, sobre questões relacionadas ao sistema prisional. Participam: Cida Falabella (atriz e diretora teatral, vereadora Belo Horizonte); dia 20 – Daniela Tiffany Carvalho (pesquisadora e especialista em segurança pública); e dia 22 Natália Martino e Leo Drumond, pesquisadores e autores do livro Mães do Cárcere.
O espetáculo nasceu a partir do projeto “A arte como possibilidade de liberdade”, formado, dentre outras atividades, por aulas de teatro que foram realizadas em um complexo penitenciário feminino ao longo de um ano, durante o banho de sol das participantes. “A princípio a ideia era somente fazer com que essas mulheres tivessem a oportunidade de vivenciar uma experiência artística, momentos de troca, de afeto, de integração entre elas e ver como essas atividades reverberavam no cotidiano delas. Mas a realidade vivenciada por nós foi tão intensa que nos provocou a criar uma obra para que esta vivência pudesse dar voz às mulheres em situação de cárcere”, destaca Talita Braga, atriz e fundadora da Zula Cia. de Teatro, que estrela o espetáculo ao lado das atrizes Gláucia Vandeveld, Kelly Crifer e Mariana Maioline.
O encontro entre as artistas e as participantes, assim como as modificações provocadas por essa experiência em cada uma das mulheres em privação de liberdade, foram os motes da criação dramatúrgica da peça, assinada por Talita Braga, e que também está à frente da direção, junto de Mariana Maioline. O figurino, cenografia e expografia são de Alexandre Tavera; a iluminação é de Cristiano Oliveira, trilha sonora e vídeos de André Veloso e produção executiva de Andréia Quaresma.
“A intenção da peça é, a partir das memórias e experiências dessas mulheres, dividir com o público o processo de transformação que todas elas vivenciaram ao longo de um ano de trabalho dentro de um complexo penitenciário. Trazer à tona os preconceitos, julgamentos, a crise do sistema prisional, a opressão, o abandono das mulheres em privação de liberdade, mas também o poder humanizador da arte, o poder do afeto. Tudo isso a partir de memórias de corpos que ouviram, viram, viveram e conviveram com essa realidade. Nossos corpos e vozes serão a ponte para trazer para a sociedade toda a discussão vivenciada dentro do presídio”, destacam as atrizes.
A arte como possibilidade de liberdade
Com um trabalho focado na mulher em situações marginais, a Zula Cia. de Teatro tem como ponto de partida para a criação teatral histórias e depoimentos reais como em seus primeiros espetáculos “As rosas no jardim de Zula” (de 2012 com direção de Cida Falabella) e “MAMÁ!” (de 2015, com direção de Grace Passô). A partir desses trabalhos, a companhia se firmou como um grupo de pesquisa de teatro documentário e teatros do real, com foco no feminino e na condição da mulher na sociedade atual.
Trabalhar com mulheres em situação de cárcere era um desejo antigo de Talita Braga, mas foi em 2016, ao participar do núcleo de pesquisa para arte-educadores no Galpão Cine Horto, que o projeto começou a ganhar vida. Ela conta que as atividades eram coordenadas pela Gláucia Vandeveld, que já tinha realizado atividades teatrais em unidades prisionais e acumulava experiência nesse universo. Foi desse encontro que surgiu o projeto que teve como fio condutor a questão: “é possível que a arte ofereça momentos de liberdade à mulheres em situação de cárcere?”
Na época, as atividades consistiam em aulas de teatro e criação de um espetáculo para um grupo de 30 mulheres em privação de liberdade que cometeram crimes de repercussão. Ao lado das atrizes que estrelam a peça, juntaram-se ao projeto Priscylla Lobato, arte-educadora e atriz que integrou a equipe na primeira etapa do trabalho, André Veloso, Alexandre Tavera, Philippe Albuquerque, Ana Haddad e Cristiano Oliveira. Além da iniciação à prática teatral, momentos de fruição artística e elaboração criativa, foi realizada uma exposição de artes visuais baseada nas experiências e relatos discutidos durante as aulas. A iniciativa, em todo seu conjunto, foi uma das finalistas do Prêmio Innovare de 2016, que tem o objetivo de identificar e difundir práticas que contribuem para o aprimoramento da justiça no Brasil.
“A realização do projeto nos provocou a sairmos de um lugar cômodo, de acharmos que teríamos muito a dar e pouco a receber e, no entanto, a intensidade dessa troca nos colocou em cheque. Nos confrontamos com nossos privilégios de mulheres brancas de classe média, com nossos preconceitos e nossa arrogância. Encontramos afeto verdadeiro, cumplicidade e cuidados umas com as outras e fomos atravessadas por esses sentimentos. O que fica pra gente são perguntas: a vida pulsa em
situações extremas? O afeto é capaz de transformar vidas? Como manter a lucidez? Quando é que uma luta passa a ser uma causa sua? O que eu tenho a ver com isso? Como me haver com isso? É preciso te ferir pra você olhar pra ferida? Mas fica também uma certeza: é preciso repensar o sistema prisional”, sublinham Gláucia Vandeveld, Kelly Crifer, Mariana Maioline e Talita Braga.
Ingressos a R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada).
Disponíveis em no site: eventim.com.br ou na bilheteria do CCBB BH.